quinta-feira, julho 27, 2006

Com peso e medida
Obsessão:
pensamento ou ideia (por exemplo dúvida), impulso, imagem, cena, que invade a consciência de forma intrusiva, repetitiva, persistente e estereotipada, seguido ou não de rituais destinados a neutralizá-lo.
Compulsão: comportamento repetitivo e excessivo (por exemplo lavar as mãos, fazer verificações), ou acto mental (por exemplo rezar, contar, repetir palavras ou frases) que a pessoa é levada a executar em resposta a uma obsessão ou em virtude de regras que devem ser seguidas rigidamente.


Estou cada vez mais a chegar à conclusão que as mulheres portuguesas são obsessas – possessas mesmo – pela questão do peso. Não o peso em relação a objectos ou utilidades, nem o peso em sentido figurado, como peso dos anos ou da responsabilidade, mas sim o peso das pessoas, em especial das outras mulheres. E que essa obsessão predilecta não tem dia nem hora, escassos limites portanto, e a partilham aberta e compulsivamente com o alvo das observações. Olham a pessoa de alto a baixo e sai logo comentário: “ai, estás mais gordinha!” ou “ai, essa barriguinha!...”, num tom leve e galhofeiro de quem diria “ai, que belo dia que está hoje!” Ainda não decidi se o fazem em cada ocasião social que se proporciona, ou se viver no estrangeiro e só ter oportunidade de ver as pessoas esporadicamente me dá sempre o direito ao bónus das suas opiniões quando finalmente têm a oportunidade de as dar. Já notei porém que os comentários atingem principalmente a faixa que tem só uns quantos quilitos a mais; nunca ouvi ninguém dizer a uma mulher verdadeiramente obesa: “Estás mais gorda!”, não: guarda-se o comentário para a esfera dos acompanhantes a quem se sussurra, de preferência sem apontar: “ Já viste aquela mulher, que gorda?!” Esta persistente preocupação não se deverá certamente a uma bactéria no abastecimento água, pois também afecta mulheres portuguesas no estrangeiro. Uma conhecida perguntou-me por exemplo uma vez se tinha alguma “novidade”, com um olhar imbuido de significado posto na minha barriga. Um tipo de situação somente excedida por uma pessoa menos sensivel do sexo oposto que perguntou directamente se nessa altura estava grávida, o que não era o caso. Há uma inversa proporcionalidade entre a necessidade de se expressarem sobre o assunto e a necessidade do alvo das atenções de o ouvir. Este Verão por exemplo estive de férias em Portugal e a mãe de uma amiga, que já não via praticamente desde miuda, lá veio com o olhar escrutinizador e o comentário: “Tu ganhaste peso!...”, para o qual eu como sempre fui apanhada desprevenida. Reagi com um “eh...” embaraçado. Não notando talvez o meu embaraço pouco subtil, a senhora ainda acrescentou consternada: “E como vai ser para o perder?...” “pois...” disse eu, pensando cá para comigo: “para quê sublinhar o óbvio?!” Ora, se está cientificamente provado que mais de 90% das mulheres não estão satisfeitas com o corpo que têm, e se assumirmos que raros são os casos de sadismo e maldade conscientes, porquê então este comum acto de “pôr o dedo na ferida”? É exactamente o que me leva a concluir que se trata de um caso do foro do transtorno obsessivo compulsivo que afecta a população feminina portuguesa e para qual infelizmente ainda não há tratamento. Que outra explicação racional haverá para este fenómeno?

5 Comments:

Blogger papel químico said...

muito interessante, esse olhar de fora : ) vou voltar cá muitas vezes! claro que eu não padeço desse mal, uma folha de papel químico só pesa cerca de 0,5 g : ) mas conheço muitas pessoas assim : ))

27 julho, 2006 13:38  
Blogger Vida de Praia said...

Volta sim! : ) Quem me dera ser também uma folha de papel quimico, ou uma pena ou um suspiro ou simplesmente invisivel...facilitava a vida : )

27 julho, 2006 13:41  
Blogger papel químico said...

é uma questão de accionar a visão raio-x quando nos vemos ao espelho : )

27 julho, 2006 15:41  
Blogger tikka masala said...

Gostei de ler este artigo. Inicialmente, franzi o sobrolho, porque estranhei a ideia de que as mulheres se preocupam com o peso das outras. Eu sempre achei que se preocupavam muito mais com o seu próprio peso. Mas depois compreendi-te. Eu própria já senti esses olhares e entendo que quem está muito tempo fora ainda esteja mais sujeita a essas indelicadas atenções.
Quanto à explicação, eu voltaria ao "self". Acho que a maior parte das vezes em que reparamos nos defeitos dos outros isso é um sintoma de que há defeitos em nós próprios com os quais não conseguimos lidar. Quem está bem consigo não faz reparos desses, é o que eu acho. Felicidades para o teu blog! Eu voltarei.

28 julho, 2006 00:10  
Blogger Vida de Praia said...

Olá, Tikka Masala. Creio que tens razão, que esse tipo de preocupação reflecte dilemas e complexos pessoais. É pena isso não dar mais sensibildade a quem os tem. E ter a tendência de tornar-se um ciclo vicioso passado neste caso de mães para filhas, perpetuando geração após geração. Obrigada pela visita, volta sempre : )

28 julho, 2006 08:18  

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