domingo, julho 30, 2006

Indisponível
Domingo. Uma noite de Verão escaldante em que um mínimo de conforto requer deixar-se a janela aberta. Acordei às cinco e meia da matina com a algazarra prolongada e estridente de uma gaivota que parecia estar a lutar pela própria vida. Levantei-me e fui à varanda investigar a razão para tanto estrilho e encontrei-a em cima de um poste da luz a pregar ao mundo como imagino que S. Francisco de Assis o fez aos peixes, ou como uma feirante com altos pregões: "quem quer comprar!...Ó menina venha ver, venha ver!..." Enfim, um dos charmes de viver numa ilha, tal como a neblina marítima e ter de atravessar pontes todos os dias. O meu marido, que estava deitado ao meu lado, nem deu pela barulheira da gaivota - continuou a dormir serenamente como se nada se estivesse a passar. Como é possível tornar-se tão profundamente indisponível? Deixar o mundo de fora dessa maneira tão eficaz quando ele te bate à porta tão insistentemente? Compreendo melhor agora o que descrevem as mães cujos companheiros não reagem, nem acordam sequer, com o choro penetrante e agudo de um recém nascido. Os homens devem possuir um impressionante mecanismo natural de bloqueio absoluto e incondicional dos sentidos, pelo menos do ouvido. E se formos a ver também do tacto, pois os sons do lado mais agudo da escala quando ultrapassam um certo nivel de decibeis são arrepiantes. Voltei a deitar-me e nem deu por mim. Engraçado pensar que se tivesse cometido um delito a meio da noite teria o alibi perfeito: "Onde estava às x horas?" "Estava na cama a dormir, o meu marido pode corroborar, sr. comissário".

5 Comments:

Blogger tikka masala said...

Bem visto! Mas como já escreveste isto no post, agora darias muito nas vistas...
Eu gostava de conseguir ficar assim, indisponível, quando durmo. E gosto de pensar que, quando morrer, vou finalmente conseguir dormir um sono como deve ser, sem ser incomodada, nem pela gaivota mais histérica que me venha gritar ao ouvido!

30 julho, 2006 16:38  
Blogger papel químico said...

eu prefiro levantar-me com as gaivotas e andar aos berros com elas, mesmo que depois isso se traduza em olheiras. prefiro ver as gaivotas, os pombos, os patos e os pardais em vez de dormir. e sonhar com gaivotas e pombos e patos e pardais enquanto durmo : )

30 julho, 2006 17:22  
Blogger Vida de Praia said...

Eu passei de uma fase à outra: sempre gostei de levantar-me com as gaivotas a que hora fosse, ter o dia todo à minha frente para gozar. Mas desde que comecei a trabalhar e me tornei escrava do despertador que prefiro dormir profundamente, sem interrupções de gaivotas histéricas ou dos primeiros raios de sol : )

30 julho, 2006 20:18  
Blogger papel químico said...

sim, mas graças à gaivota tens uma história para contar : )

30 julho, 2006 21:22  
Blogger Vida de Praia said...

Tens toda a razão. I rest my case : )

30 julho, 2006 21:27  

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