quarta-feira, outubro 25, 2006

Impressão
Às vezes é o mais estranho e aparentemente irrisório que nos fica nitidamente gravado na memória. Por exemplo da escola primária lembro-me perfeitamente de sempre desenhar árvores de copa bicuda com maçãs vermelhas e pares de cerejas aos molhos nos bocadinhos livres depois dos ditados e composições; mas não me lembro de com quem é que brincava mais.
Não me recordo de ter havido uma altura na minha vida em que não sabia ler, escrever e calcular, mas tenho n memórias de desenhos e trabalhos manuais me sairem mal – borrados, tortos, mal picotados.
Sempre adorei andar na escola; no entanto poucas e difusas são as memórias que tenho de bons momentos, enquanto que as de maus fazem fila.
Não me recordo de ter uma boneca, um urso ou um brinquedo favorito. Passava os recreios a jogar à apanhada e a saltar ao elástico. Mas o que faria quando as outras miúdas brincavam com bonecas?
Lembro-me nitidamente de diversas circunstâncias em que o meu pai não me queria por perto e não queria ser incomodado: quando via as notícias ou lia o jornal; dizia para lhe sair de debaixo dos pés se íamos de passeio; não gostava que o visse a fazer a barba. Mas não consigo mobilizar muitas imagens dos momentos em que certamente reservava a sua atenção só para mim. Nos primeiros anos era ele que me levava ao colégio, com o cesto do almoço e o sempre presente termo. E todas as manhãs passávamos a caminho pela padaria e ele me comprava o mesmo bolo para o lanche. Mas conversávamos pelo caminho? E também me ia buscar, ou voltava eu para casa sózinha à tarde?
A minha memória parece uma caixa de tipos em que faltam várias letras ao acaso, maiúsculas e minúsculas.

12 Comments:

Blogger papel químico said...

muito bonita, a imagem da caixa de tipos. a memória é intrigante pela selecção aparentemente aleatória que faz dos acontecimentos. haverá mecanismos para a estimular e ir desencantar recordações longínquas? talvez se pensares muito sobre o assunto, acabes por te lembrar das coisas boas através de pequenas associações.

25 outubro, 2006 08:24  
Blogger Vida de Praia said...

Hoje entraste cedo para a blogosfera, papel químico : )
Adivinha onde fui buscar inspiração para a caixa de tipos... tenho uma amiga que é coleccionadora, sabes ; )
É realmente fascinante e por vezes arrepiante o que vem ao de cima e o que fica escondido, engavetado, arquivado num cofre aparentemente sem chave nos confins da memória. Vou experimentar o método que sugeriste. Talvez consiga "aliciar" a memória a ir buscar reminiscências boas dessa forma.

25 outubro, 2006 15:30  
Blogger papel químico said...

há vários dias que quase não saio da frente do computador : ) parece que tenho uma única perna que se divide em quatro na extremidade, com rodízios no lugar dos pés.

no meu caso os cheiros funcionam como cábula da memória. lembro-me perfeitamente do cheiro do estojo, dos lápis de carvão (que ainda snifo vigorosamente, confesso : )) e do perfume da minha professora primária.

25 outubro, 2006 21:13  
Blogger Vida de Praia said...

Ah, acampaste em frente ao monitor, foi? Também me acontece às vezes.
Rodízios no lugar dos pés... fez-me lembrar o meu primeiro livro de geometria da 1ª classe, o "Sobre Rodas", que tinha um homenzinho feito de figuras geométricas na capa. É pá, isto já está a dar resultado! Vá lá, experimenta mais uma...
Engraçado ainda te recordares do perfume da tua professora; é uma memória muito específica. Cheiros também me ajudam às vezes - por exemplo tive um duche de banho com aroma de acácia, que me fazia lembar a bebida quente de sumo de limão e mel que eu costumava tomar de Inverno quando era miúda.
Andas a snifar vigorosamente os lápis de carvão?? Soa preocupante... mas felizmente conheço uma clínica muito boa de reabilitação que te posso recomendar ; )
('tou a brincar, é óbvio.)

25 outubro, 2006 22:42  
Blogger papel químico said...

não quero recuperar. adoro cheirar lápis de carvão! na parte afiada da madeira. hmmmm

26 outubro, 2006 11:31  
Blogger Vida de Praia said...

===> [o] S
: )

26 outubro, 2006 11:55  
Blogger papel químico said...

hã?

26 outubro, 2006 15:21  
Blogger Vida de Praia said...

A minha tentativa completamente 'hopeless' de ser creativa e desenhar um lápis, um apara-lápis e a apara... só mostra que desenho tão bem no computador como à mão : /

26 outubro, 2006 16:06  
Blogger papel químico said...

o lápis ainda percebi, o apara e a apara é que já não. e às tantas perguntava-me se o lápis não seria um nariz.

26 outubro, 2006 16:55  
Blogger Vida de Praia said...

Devia ter posto legendas - mea culpa. Mas e se o lápis fosse um nariz, o que pensaste que seria o resto?

26 outubro, 2006 21:11  
Blogger papel químico said...

uma daquelas borrachas que havia no nosso tempo que cheiravam a morango e davam vontade de comer. hmmm tb me lembro bem desse cheiro.

27 outubro, 2006 01:54  
Blogger Vida de Praia said...

Tb me lembro das borrachas "de" morango - e de que muitas miúdas até faziam colecção de borrachas.

27 outubro, 2006 06:59  

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