Aventuras no mundo das licitações
De há uns anos para cá a nossa sociedade ocidental contraiu um surto de privatizações. Se economicamente até é capaz de ser rentável, em termos de serviço as experiências que tenho tido ou conheço são menos felizes, particularmente quando a privatização foi levada a cabo através do método favorito (e aparentemente também o único): licitação pública. E já cheguei à conclusão de que tudo se pode licitar: limpeza, transportes públicos, cantinas, vários tipos de manutenção, etc.
O truque para ganhar um concurso de licitação pública parece simples: propõe-se um preço baixíssimo, alegando ao mesmo tempo que não se deteriorará em nada o nível de serviço de até aqui, antes pelo contrário. Ganho o concurso, despede-se metade do pessoal, na expectativa de o pessoal que resta dar conta do recado com mais eficácia do que até ontem. A tarefa e área de serviço redefinem-se de forma bastante quadrada. Resultado: encarecimento do serviço, cuja qualidade vai decaindo, e situações caricatas, por vezes até absurdas.
Um exemplo é a limpeza nos hospitais, que nos últimos anos tem piorado de tal forma, que é cada vez mais normal apanhar infecções várias durante um internamento em nada relacionado com infecções.
Ou a limpeza nas estações ferroviárias, que cá foi licitada aos pedaços: uma firma despeja caixotes e remove neve, mas não varre as gares, o que é o domínio de outra firma, para confusão dos utentes, que vêm o pessoal por exemplo a apanhar jornais abandonados nos bancos, mas ignorando completamente papéis e quantidades industriais de beatas no chão.
Ou como recentemente quando cheguei ao emprego e não podia entrar, porque um pombo tinha deixado uma “prenda” de alto a baixo da porta, incluindo maçoneta e degraus. Por coincidência vinha a chegar a chefe da limpeza; mas questionada sobre o incidente, afirmou não ser da sua tutela esse tipo de limpeza, pois só tem responsabilidade pela limpeza interior e não exterior!
Licitações e privatizações são o futuro. No entanto espero que certas coisas nunca venham a sê-lo: por exemplo equipes de futebol (“ai, não, eu só tenho responsabilidade pelo meio-campo, nem pensem que me aproximo da grande-área”), operações cirúrgicas (“perdão, mas eu só corto, não coso. A culpa não é minha de o meu ilustre colega que ia coser ter ficado preso no trânsito matinal. Já cortei e agora, com o serviço feito, vou jogar ténis”) ou vôos (“só me pagam para levantar vôo. Com o meu colega responsável pelas aterragens de cama com gripe, isto vai ser um problemão”).
4 Comments:
se algo está mal no reino da dinamarca, o reino de portucale deve estar a cair da árvore.
Já o Hamlet dizia: "there's something rotten in the state of Denmark".
Ha ha ha! Adorei as previsões catastróficas para o futuro! Prevê-se, portanto, uma divertida multiplicação dos Not My Job Awards!
Exactamente! Bem-vinda ao Planeta Absurdo! : )
Por este andar as visões catastróficas para o futuro estão cada vez mais próximas da realidade que já vivemos... :o/
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